ENTRE VOS NÃO DEVE SER ASSIM
O assunto
de hoje já refletimos diversas vezes nas
páginas do Evangelho. E a ambição dos apóstolos de ocuparem os melhores lugares
no reino do Messias. Eram ainda tão imperfeitos! Não descera ainda sobre eles o
Espírito Santo. E desta vez Tiago e João vem apresentar explicitamente a Jesus
sua pretensão. Veem acompanhados de sua mãe, Salomé, esposa de Zebedeu. E, na
redação de Mateus, é ela própria quem faz o pedido: "Dize que estes meus
dois filhos se sentem um à tua direita e outro à tua esquerda no teu
reino" (Mt. 20,21). É quase comovedor ver essa humilde mulher do povo
pedir para os seus filhos o que lhe parecia ser o melhor para eles. Não estava
pensando em responsabilidades de governo. Estava deslumbrada com a ideia de ver
seus filhos sentados nos lugares de mais alta distinção no esplendor da corte.
Já os antigos padres sab1am desculpar a audácia dessa mulher, que seguia os
impulsos de seu coração materno.
A
resposta de Jesus é da mais alta sabedoria: "Não sabeis o que estais
pedindo! Podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados no
batismo em que eu vou ser mergulhado?" (Mc. 10,38). Eles, na ânsia de ver
atendido o que haviam pedido a Jesus, respondem que sim, sem nem bem
compreender o alcance das palavras do Mestre. O cálice que Ele ia beber era o
cálice dos sofrimentos da Paixão. Embora a palavra
"cálice" se encontre usada muitas vezes como imagem para indicar a
alegria - aliás, nós mesmos falamos em "taça dos prazeres" - o uso
dos profetas consagrou a palavra para dizer de preferência o sofrimento, como
quando se referem à taça da ira de Deus (Is. 51,17). Na agonia do Getsêmani,
Jesus vai pedir ao Pai que - se possível – afaste dele o amargo cálice da
Paixão, colocando, porém, acima de tudo, a vontade do Pai. E Jesus vai beber
esse cálice até o fim. Da mesma forma o "batismo" em que Ele vai ser
batizado é a imagem do mar de sofrimentos em que vai ser mergulhado.
Tiago e
João eram corajosos. Jesus Ihes havia dado até o curioso apelido de
"Boanerges" que quer dizer "filhos do trovão" (Mc. 3,17);
mas certamente nessa hora não sabiam o que estavam aceitando. Jesus aceitou sua
oferta. Tiago morreu decapitado no ano de 44, por ordem de Agripa I. E João,
embora tenha vivido mais que todos os apóstolos e tenha morrido no exílio da
ilha de Patmos em idade muito avançada, passou também pelos tormentos do
martírio. Há em Roma uma igreja dedicada a São João "ante Portam
Latinam" - porque fica justamente em frente à porta Latina - onde ele
foi mergulhado numa caldeira de óleo fervendo, sobrevivendo só por milagre de
Deus. Encontra-se testemunho disso em São Jerônimo e em Tertuliano.
É fácil
calcular quanto as pretensões de Tiago e João tenham sido mal recebidas pelos
outros apóstolos. Eles se irritaram grandemente contra os dois filhos de
Zebedeu. Foi preciso que Jesus os chamasse a todos e fizesse cair sobre eles as
palavras de uma alta lição: "Sabeis como procedem os chefes das nações.
Tratam-nas como senhores, e seus grandes exercem poder sobre elas. Convosco não
há de ser assim. Aquele que quiser ser grande, seja o vosso servo, e quem quiser
ser o primeiro, obedeça a todos os outros". E coroou com esta sublime
declaração: "Porque o próprio Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc. 10,42-45).
A Igreja
guarda essa lição de Jesus com o maior carinho. E todo cristão sincero sabe que
não está no mundo para dominar e
subjugar os outros. Sabe, inclusive, que, quando ocupa um alto cargo na
comunidade, não é para se prevalecer de seu poder, mas para estar a serviço de
todos.
Como que para
comemorar a bela lição de Jesus, há uma praxe singular na Igreja: Em certos
documentos da maior importância, o Papa se intitula "Servo dos servos de
Deus". A bula da convocação do Concílio Vaticano, por exemplo, do Papa
João XXIII, começa assim: "João, bispo, Servo dos Servos de Deus, para
perpétua memória do acontecimento". Somos todos servos de Deus. E o papa
quer estar a serviço de todos nós. Autoridade serviço. Isso é cristianismo!
Pe.
Rosevaldo Bahls
Cascavel,
18 de 10 de 2012
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