EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA E MEU PAI É O AGRICULTOR.
At 9,1-31 é dedicada a um acontecimento muito
importante na história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Tal fato
é o ponto de partida para o caminho que o cristianismo vai percorrer, desde os
limites geográficos do mundo judaico, até ao coração do mundo greco-romano.
A primeira parte
(cf.At 9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo
encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (cf. At 9,10-19a) descreve
o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a terceira (cf. At
9,19b-25) fala da atividade apostólica de Paulo em Damasco; e, finalmente, a
quarta (cf. At 9,26-30) mostra a forma como Paulo, depois de deixar Damasco,
foi recebido pelos cristãos de Jerusalém.
A maior parte dos
autores pensa que a conversão de Paulo aconteceu por volta do ano 36. Depois da
sua conversão, Paulo ficou três anos em Damasco, colaborando com a comunidade
cristã dessa cidade. Após esse tempo, a oposição dos judeus forçou Paulo a
abandonar a cidade. Uma vez que as portas da cidade estavam guardadas, os
cristãos desceram Paulo pela muralha abaixo, dentro de um cesto (cf. At
9,23-25). Depois, Paulo dirigiu-se para Jerusalém. A chegada de Paulo a
Jerusalém deve ter acontecido por volta do ano 39 (cf. Gal 1,18).
A narração de Lucas
mistura elementos de caráter histórico com outros elementos de caráter
teológico. Para simplificar a apresentação, vamos apontar as coordenadas principais
da catequese apresentada por Lucas em vários pontos:
A desconfiança da
comunidade cristã de Jerusalém em relação a Paulo (“todos o temiam, por não
acreditarem que fosse discípulo” At 9, 26) é um dado verossímil e que é, muito
provavelmente, histórico. Mostra-nos o quadro de uma comunidade cristã que tem
alguma dificuldade em lidar com o risco, que antes quer esconder-se atrás de
procedimentos prudentes e perder oportunidades, do que aceitar os desafios de
Deus. No entanto, como o exemplo de Paulo comprova, a capacidade para correr
riscos e para acolher a novidade de Deus é, muitas vezes, uma fonte de
enriquecimento para a comunidade.
O esforço de Paulo
em integrar-se (“chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos” At 9,
26) mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da fé
com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com Jesus
Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor com os irmãos
que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande família de Jesus. É
só no diálogo e na partilha comunitária que a experiência da fé faz sentido.
O papel de Barnabé
na integração de Paulo é muito significativo: ele não só acredita em Paulo,
como consegue que o resto da comunidade cristã o aceite (At 9, 27a). Mostra-nos
o papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos; e
mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e
ajudá-la a descobrir os desafios de Deus.
Outro elemento
sublinhado por Lucas é o entusiasmo com que Paulo dá testemunho de Jesus e a
coragem com que ele enfrenta as dificuldades e oposições (At 9, 27b-28).
Trata-se, aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de
Paulo. O apóstolo está consciente de que foi chamado por Jesus, que recebeu de
Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por isso, nada nem
ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do Evangelho.
A pregação cristã
suscita, naturalmente, o conflito com os poderes de morte e de opressão,
interessados em perpetuar os mecanismos de escravidão. A fidelidade ao
Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição do mundo (At 9, 29). O caminho do
discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não é, no entanto, um
caminho de morte, mas de vida).
O sumário final
(vers. 31) recorda um elemento que está sempre presente no horizonte da
catequese de Lucas: é o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela
história. É o Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe
alimenta o dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia
aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo deve
fundamentar a nossa esperança.
O cristão não é um
ser isolado, mas uma pessoa que é membro de um corpo – o corpo de Cristo. A sua
vocação é seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma
fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. Por isso, a vivência da fé é
sempre uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com os irmãos
que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de
amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente. A
comunidade, contudo, é constituída por pessoas, vivendo numa situação de
fragilidade e de debilidade… Por isso, a experiência de caminhada em comunidade
pode ser marcada por tensões, por conflitos, por divergências; mas essa
experiência não pode servir de pretexto para abandonar a comunidade e para
passar a agir isoladamente.
A dificuldade da
comunidade de Jerusalém em acolher Paulo (e que é compreensível, do ponto de
vista humano) pode fazer-nos pensar nesses esquemas de fechamento, de
preconceito, de instalação, que às vezes caracterizam a vida das nossas
comunidades cristãs e que as impedem de acolher os desafios de Deus. Uma
comunidade fechada, com medo de arriscar, é uma comunidade instalada no
comodismo e na mediocridade, com dificuldade em responder aos desafios
proféticos e em descobrir os caminhos nos quais Deus se revela. Há, neste
texto, um convite a abrirmos permanentemente o nosso coração e a nossa mente à
novidade de Deus. Como é a nossa comunidade? É uma comunidade fechada,
instalada, cheia de preconceitos, criadora de exclusão, ou é uma comunidade
aberta, fraterna, solidária, disposta a acolher?
Barnabé é o homem
que questiona os preconceitos e o fechamento da comunidade, convidando-a a ser
mais fraterna, mais acolhedora, mais “cristã”. Faz-nos pensar no papel que Deus
reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa comunidade a crescer,
a sair de si própria, a viver com mais coerência o seu compromisso com Jesus
Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da comunidade é detentor de verdades
absolutas; mas todos os membros da comunidade devem sentir-se responsáveis para
que a comunidade dê, no meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do
seu projeto de salvação.
O encontro com
Jesus ressuscitado no “caminho de Damasco” constituiu, para Paulo, um momento
decisivo. A partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e incomparável
do projeto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a oposição das
autoridades, a indiferença dos não crentes, a incompreensão dos irmãos na fé,
os perigos dos caminhos, as incomodidades das viagens, não conseguiram
desencorajá-lo e desarmar o seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que
ser cristão é dar testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos
de Jesus e do seu projeto libertador não pode ser calada ou guardada apenas
para nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós, chega
a todos os nossos irmãos.
A Igreja é uma
comunidade formada por homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e
fragilidade; mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história
assistida, animada e conduzida pelo Espírito Santo. O “caminho” que percorremos
como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades e vicissitudes várias; mas
é um caminho que conduz a Deus, à realização plena do homem, à vida definitiva.
A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos essa garantia.
Já vimos, nos
domingos anteriores, que a Primeira Carta de João é um escrito polêmico surgido
nas Igrejas joânicas da Ásia Menor, destinado a intervir na controvérsia
levantada por certas seitas heréticas pré-gnósticas a propósito de pontos
fundamentais da teologia cristã (nomeadamente, a propósito da encarnação de
Cristo e de alguns elementos essenciais da moral cristã). Nesse contexto, o
autor da Carta procura fornecer aos cristãos (algo confusos diante das
proposições heréticas) uma espécie de síntese da vida cristã autêntica.
Uma questão
essencial abordada na Primeira Carta de João é a questão do amor ao próximo. Os
hereges pré-gnósticos, cujas doutrinas este escrito denuncia, afirmavam que o
essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a olhar
para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1 Jo 2,9). A sua experiência
religiosa era uma experiência voltada para o céu, mas alienada das realidades
do mundo. Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao
próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é
amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou
contagiar e embeber pelo amor. Jesus demonstrou isso mesmo ao amar os homens
até ao extremo de dar a vida por eles, na cruz; e exigiu que os seus discípulos
O seguissem no caminho do amor e do dom da vida aos irmãos (cf. 1 Jo 3,16). Em
última análise, é o amor aos irmãos que decide o acesso à vida: só quem ama
alcança a vida verdadeira e eterna (cf. 1 Jo 3,13-15). A realização plena do
homem depende da sua capacidade de amar os irmãos.
No versículo que
antecede o texto que nos é hoje proposto como segunda leitura (um versículo que
a liturgia deste domingo não apresenta), o autor da Carta coloca aos crentes
uma questão muito concreta: “se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu
irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode
permanecer nele?” (1 Jo 3,17). E, logo de seguida, o nosso “catequista” conclui
(e é aqui que começa o nosso texto): o amor aos irmãos não é algo que se
manifesta em declarações solenes de boas intenções, mas em gestos concretos de
partilha e de serviço. É com atitudes concretas em favor dos irmãos que se
revela a autenticidade da vivência cristã e se dá testemunho do projeto
salvador de Deus (1Jo 3, 18).
Quando,
efetivamente, deixamos que o amor conduza a nossa vida, podemos estar seguros
de que estamos no caminho da verdade; quando temos o coração aberto ao amor, ao
serviço e à partilha, podemos estar tranquilos porque estamos em comunhão com
Deus. Na verdade, a nossa consciência pode acusar-nos dos erros passados e
reprovar algumas das nossas opções; mas, se amarmos, sabemos que estamos perto
de Deus, pois Deus é amor (vers. 19). O amor autêntico liberta-nos de todas as
dúvidas e inquietações, pois dá-nos a certeza de que estamos no caminho de
Deus; e se Deus “é maior do que o nosso coração e conhece tudo” (1Jo 3, 20),
nada temos a recear. Viver no amor é viver em Deus e estar entregue à bondade e
à misericórdia de Deus.
Com a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e nos ama (porque nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-Lhe a nossa oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele que cumpre os seus mandamentos (vers. 21-22).
Com a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e nos ama (porque nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-Lhe a nossa oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele que cumpre os seus mandamentos (vers. 21-22).
Os dois versículos
finais apenas recapitulam e resumem tudo o que atrás ficou dito… A exigência
fundamental do caminho cristão é “acreditar em Jesus” e amar os irmãos (1Jo 3,
23). “Acreditar” deve ser aqui entendido no sentido de aderir à sua proposta e
segui-lo; ora, seguir Jesus é fazer da vida um dom total de amor aos irmãos.
“Acreditar em Jesus” e cumprir o mandamento do amor são a mesma e única
questão.
Quem guarda os
mandamentos (especialmente o mandamento do amor, que tudo resume) vive em
comunhão com Deus e já possui algo da natureza divina (o Espírito). É o
Espírito de Deus que dá ao crente a possibilidade de produzir obras de amor (1Jo
3, 24).
Na perspectiva do
autor do texto que nos é hoje proposto como segunda leitura, ser cristão é
“acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. Jesus
“passou pelo mundo fazendo o bem” (At. 10,38), testemunhou o amor de Deus aos
pobres e excluídos, foi ao encontro dos pecadores e sentou-se à mesa com eles
(cf. Lc 5,29-30; 19,5-7), lavou os pés aos discípulos (cf. Jo 13,1-17),
assegurou a todos que “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida” (Mt 20,28), deixou-se matar para nos ensinar o amor
total, morreu na cruz pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos (cf. Lc
23,34)… Quem adere a Jesus e à sua proposta de vida, não pode escolher um outro
caminho; o caminho do cristão só pode ser o caminho do amor total, do dom da
própria vida, do serviço simples e humilde aos irmãos ao jeito de Jesus. O amor
aos irmãos é o distintivo dos seguidores de Jesus.
O autor da Carta
observa ainda que o amor não se vive com “conversa fiada”, mas com ações
concretas em favor dos irmãos. Não chega condenar a guerra, mas é preciso ser
construtor da paz; não chega fazer discursos sobre justiça social, mas é preciso
realizar gestos autênticos de partilha; não chega assinar petições para
defender os direitos dos explorados, mas é preciso lutar objetivamente contra
as leis e sistemas que geram exploração; não chega fazer discursos contra as
leis que restringem a imigração, mas é preciso acolher os irmãos estrangeiros
que vêm ao nosso encontro à procura de uma vida melhor; não chega dizer mal de
toda a gente que trabalha na nossa paróquia, mas é preciso um empenho sério na
construção de uma comunidade cristã que dê cada vez mais testemunho do amor de
Jesus…
Às vezes
sentimo-nos frágeis e pecadores e, apesar do nosso esforço e da nossa vontade
em acertar, sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos
no caminho certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa relação e
da nossa proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se pelos frutos… Se
realizamos obras de amor, se os nossos gestos de bondade e de solidariedade
transmitem alegria e esperança, se a nossa ação torna o mundo um pouco melhor,
é porque estamos em comunhão com Deus e a vida de Deus circula em nós. Se a
vida de Deus está em nós, ela manifesta-se, inevitavelmente, nos nossos gestos.
Muitas vezes somos
testemunhas de espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram
opções religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem
uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não tenhamos
dúvidas: onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está presente até fora
das fronteiras da Igreja e atua no coração de todos os homens de boa vontade.
De resto, certos testemunhos de amor e de solidariedade que vemos surgir nos
mais variados quadrantes constituem uma poderosa interpelação aos crentes,
convidando-os a uma maior fidelidade a Jesus e ao seu projeto.
O Evangelho do 5º
domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia
antes da festa da Páscoa do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à
volta de uma mesa, numa ceia de despedida. Ele está consciente de que os
dirigentes judaicos decidiram dar-Lhe a morte e que a cruz está no seu
horizonte próximo.
Os gestos e as
palavras de Jesus, neste contexto, representam as suas últimas indicações, o
seu “testamento”. Os discípulos recebem aqui as coordenadas para poderem
continuar no mundo a missão de Jesus. Nasce, assim, a comunidade da Nova
Aliança, alicerçada no serviço (cf. Jo 13,1-17) e no amor (cf. Jo 13,33-35),
que pratica as obras de Jesus animadas pelo Espírito Santo (cf. Jo 14,15-26). O
“discurso de despedida” de Jesus vai de Jo 13,1 a 17,26.
O texto que a
liturgia deste domingo nos propõe apresenta-nos uma instrução de Jesus sobre a
identidade e a situação da comunidade dos discípulos no meio do mundo.
Para definir a
situação dos discípulos em face de Jesus e face ao mundo, Jesus usa a sugestiva
metáfora da videira, dos ramos e dos frutos… É uma imagem com profundas
conotações vétero-testamentárias e com um significado especial no universo
religioso judaico.
No Antigo
Testamento (e de forma especial na mensagem profética), a “videira” e a “vinha”
eram símbolos do Povo de Deus. Israel era apresentado como uma “videira” que
Javé arrancou do Egito, que transplantou para a Terra Prometida e da qual
cuidou sempre com amor (cf. Sal 80,9. 15); era também apresentado como “a
vinha”, que Deus plantou com cepas escolhidas, que Ele cuidou e da qual
esperava frutos abundantes, mas que só produziu frutos amargos e impróprios
(cf. Is 5,1. 7; Jer 2,21; Ez 17,5-10; 19,10-12; Os 10,1). A antiga “videira” ou
“vinha” de Javé revelou-se como uma verdadeira desilusão. Israel nunca produziu
os frutos que Deus esperava.
Agora, Jesus apresenta-se
como a verdadeira “videira” plantada por Deus (Jo 15, 1). É Jesus que irá
produzir os frutos que Deus espera. E, de Jesus, a verdadeira “videira”, irá
nascer um novo Povo de Deus. Hoje, como ontem, Deus continua a ser o agricultor
que escolhe as cepas, que as planta e que cuida da sua vinha.
Qual é o lugar e o
papel dos discípulos de Jesus, neste contexto? Os discípulos são os “ramos” que
estão unidos à “videira” (Jesus) e que dela recebem vida. Estes “ramos”, no
entanto, não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios;
necessitam da seiva que lhes é comunicada por Jesus. Por isso, são convidados a
permanecer em Jesus (Jo 15, 4). O verbo permanecer (“ménô”) é a palavra-chave
do nosso texto (Jo 15, 4 ao vers. 8, aparece sete vezes). Expressa a
confirmação ou renovação de uma atitude já anteriormente assumida. Supõe que o
discípulo tenha já aderido anteriormente a Jesus e que essa adesão adquira
agora estatuto de solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É
um convite a que o discípulo mantenha a sua adesão a Jesus, a sua identificação
com Ele, a sua comunhão com ele… Se o discípulo mantiver a sua adesão, Jesus,
por sua vez, permanece no discípulo – isto é, continuará fielmente a oferecer
ao discípulo a sua vida.
O que é, para o
discípulo, estar unido a Jesus? Em Jo 6,56 Jesus avisou: “Quem realmente come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele”… A “carne” de Jesus
é a sua vida; o “sangue” de Jesus é a sua entrega por amor até à morte; assim,
“comer a carne e beber o sangue” de Jesus é assimilar a existência de Jesus,
feita serviço e entrega por amor, até ao dom total de si mesmo. Está unido a
Jesus e permanece n’Ele quem acolhe no coração essa proposta de vida e se compromete
com uma existência feita entrega a Deus e aos irmãos, até à doação completa da
vida por amor. A união com Jesus não é, no entanto, algo automático, que de
forma automática atingiu o homem e que foi adquirida de uma vez e para sempre;
mas é algo que depende da decisão livre e consciente do discípulo – uma decisão
que tem de ser, aliás, continuamente renovada (Jo 15, 4).
Para os discípulos
(“os ramos”), interromper a relação com Jesus significa cortar a relação com a
fonte de vida e condenar-se à esterilidade. Quem se recusa a acolher essa vida
que Jesus propõe e prefere conduzir a sua existência por caminhos de egoísmo,
de auto-suficiência, de fechamento, é um ramo seco que não responde à vida que
recebe da “videira”. Não produz frutos de amor, mas frutos de morte.
Ora, a comunidade
de Jesus (os “ramos”) não pode condenar-se à esterilidade. A sua missão é dar
frutos. Por isso, o “agricultor”(Deus) atua no sentido de que o “ramo” (o
discípulo) se identifique cada vez mais com a “videira” (Jesus Cristo) e
produza frutos de amor, de doação, de serviço, de libertação dos irmãos. A ação
de Deus vai no sentido de “limpar” o “ramo” a fim de que ele dê mais fruto.
“Limpar” significa chamá-lo a um processo de conversão contínua que o leve a
recusar caminhos de egoísmo e de fechamento, para se abrir ao amor. Dito de
outra forma: a limpeza dos “ramos” faz-se através de uma adesão cada vez mais
fiel a Jesus e à sua proposta de amor (Jo 15, 2b). Os discípulos de Jesus estão
“limpos” (Jo 15, 3), pois aderiram a Jesus, são a cada instante confrontados
com a sua proposta de vida e respondem positivamente ao desafio que lhes é
feito.
Se, apesar do esforço de Deus e do seu contínuo chamamento à conversão, o “ramo” se obstina em não produzir frutos condizentes com a vida que lhe é comunicada, ficará à margem da comunidade de Jesus, da comunidade da salvação. É um “ramo” que não pertence a essa “videira” (Jo 15, 2a).
Se, apesar do esforço de Deus e do seu contínuo chamamento à conversão, o “ramo” se obstina em não produzir frutos condizentes com a vida que lhe é comunicada, ficará à margem da comunidade de Jesus, da comunidade da salvação. É um “ramo” que não pertence a essa “videira” (Jo 15, 2a).
Jesus é “a
verdadeira videira”, de onde brotam os frutos da justiça, do amor, da verdade e
da paz; é n’Ele e nas suas propostas que os homens podem encontrar a vida
verdadeira. Muitas vezes os homens, seguindo lógicas humanas, buscam a
verdadeira vida noutras “árvores”; mas, com frequência, essas “árvores” só
produzem insatisfação, frustração, egoísmo e morte… João garante-nos: na nossa
busca de uma vida com sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos
consciência de que é em Cristo que podemos encontrar uma proposta de vida
autêntica? Ele é, para nós, a verdadeira “árvore da vida”, ou preferimos
trilhar caminhos de auto-suficiência e colocamos a nossa confiança e a nossa
esperança noutras “árvores”?
Hoje, Jesus, “a
verdadeira videira”, continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos;
e fá-lo através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus, que hoje
caminha pela história, é produzir esses mesmos frutos de justiça, de amor, de
verdade e de paz que Jesus produziu. Trata-se de uma tremenda responsabilidade
que nos é confiada, a nós, os seguidores de Jesus. Jesus não criou um gueto
fechado onde os seus discípulos podem viver tranquilamente sem “incomodarem” os
outros homens; mas criou uma comunidade viva e dinâmica, que tem como missão
testemunhar em gestos concretos o amor e a salvação de Deus. Se os nossos
gestos não derramam amor sobre os irmãos que caminham ao nosso lado, se não
lutamos pela justiça, pelos direitos e pela dignidade dos outros homens e
mulheres, se não construímos a paz e não somos arautos da reconciliação, se não
defendemos a verdade, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A
vida de Jesus tem de transparecer nos nossos gestos e, a partir de nós, atingir
o mundo e os homens.
No entanto, o
discípulo só pode produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do
nosso Batismo, optamos por Jesus e assumimos o compromisso de segui-lo no
caminho do amor e da entrega; quando celebramos a Eucaristia, acolhemos e
assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita entrega e
doação total por amor, até à morte. O cristão tem em Jesus a sua referência, identifica-se
com Ele, vive em comunhão com Ele, segue-O a cada instante no amor a Deus e na
entrega aos irmãos. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo e vive para
Cristo.
• O que é que pode
interromper a nossa união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo
aquilo que nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido
do O seguir provoca em nós esterilidade e privação de vida… Quando conduzimos a
nossa vida por caminhos de egoísmo, de ódio, de injustiça, estamos a dizer não a
Jesus e a renunciar a essa vida verdadeira que Ele nos oferece; quando nos
fechamos em esquemas de auto-suficiência, de comodismo e de instalação, estamos
a recusar o convite de Jesus e a cortar a nossa relação com a vida plena que
Jesus oferece; quando para nós o dinheiro, o êxito, a moda, o poder, os
aplausos, o orgulho, o amor próprio, são mais importantes do que os valores de
Jesus, estamos a secar essa corrente de vida eterna que deveria correr entre
Jesus e nós… Para que não nos tornemos “ramos” secos, é preciso renovarmos cada
dia o nosso “sim” a Jesus e às suas propostas.
A comunidade cristã
é o lugar privilegiado para o encontro com Cristo, “a verdadeira videira” da
qual somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos e
experimentamos – no Batismo, na Eucaristia, na Reconciliação – a vida nova que
brota de Cristo. A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um membro amputado
do Corpo é um membro condenado à morte… Por vezes, a comunidade cristã, com as
suas misérias, fragilidades e incompreensões, decepciona-nos e magoa-nos; por
vezes sentimos que a comunidade segue caminhos onde não nos revemos… Sentimos,
então, a tentação de nos afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à
margem da comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a
receber vida de Cristo, em ruptura com os nossos irmãos na fé.
O que são os “ramos
secos”? São, evidentemente, aqueles discípulos que um dia se comprometeram com
Cristo, mas depois desistiram de seguir Jesus… Mas os “ramos secos” podem também
ser aquelas pequenas misérias e fragilidades que existem na vida de cada um de
nós. Atenção: é preciso “limpar” esses pequenos obstáculos que impedem que a
vida de Cristo circule abundantemente em nós. Chama-se a isso “conversão”.
Como podemos “limpar”
os “ramos secos”? Fundamentalmente, confrontando a nossa vida com Jesus e com a
sua Palavra. Precisamos escutar a Palavra de Jesus, de meditá-la, de confrontar
a nossa vida com ela… Então, por contraste, vão tornar-se nítidas as nossas
opções erradas, os valores falsos e essas mil e umas pequenas infidelidades que
nos impedem de ter acesso pleno à vida que Jesus oferece.
Como seriam as
nossas relações humanas se em cada um dos nossos encontros exclamássemos: “eu
não faço senão passar” sem permanecer? Como seria a nossa relação com Deus se
na nossa oração não fizéssemos senão passar, sem permanecer? Algumas horas
antes da sua morte, Jesus emprega várias vezes o verbo “permanecer”, “morar”.
Não esqueçamos que, pela sua encarnação, Ele veio morar no meio dos homens,
escutando-os, olhando-os, caminhando diante ou no meio deles, parando para
fazer milagres. Ele permaneceu com o seu Pai, rezando-Lhe e fazendo a sua
vontade até ao fim. Ele pode, então, pedir-nos para permanecer n’Ele, pondo em
prática o seu mandamento do amor e rezando. É uma questão de vida ou de morte,
porque, não o esqueçamos, “sem Ele nada podemos fazer”.
“Eu sou a vinha e
meu Pai o vinhateiro”. Eis outra imagem muito presente no Antigo Testamento.
Desta parábola, retivemos muitas vezes as palavras “ameaçadoras”: “Os ramos
secos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem”. Mas isso é para quem “não
permanece em Jesus”. É o verbo “permanecer” que é o mais importante. Ele
aparece mais de dez vezes neste capítulo de João. Trata-se, antes de mais, de
“estar com” o Senhor, porque Ele, o primeiro, é “Emanuel – Deus conosco”. Esta
presença não é fugitiva. Inscreve-se na duração, na fidelidade. Quando Deus se
une à humanidade no seu Filho feito homem, é para sempre. A Ressurreição de
Jesus é garante de que este “estar com os homens” não acabará jamais. Se
aceitamos permanecer com Jesus, Ele introduz-nos na sua intimidade. Segundo a
imagem dos sarmentos, Ele faz correr em nós a seiva da sua própria vida. Então
podemos dar frutos que terão o sabor de Jesus. Isso se cumpre de modo pleno na
Eucaristia. Jesus alimenta-nos com o seu corpo e o seu sangue de Ressuscitado.
Ele coloca em nós o poder da sua Vida. Esta passa pelo pão e pelo vinho, que
vão vivificar cada célula do nosso corpo, isto é, finalmente, cada detalhe da
nossa vida, cada uma das relações que criamos com os outros. Tornamo-nos assim
seus discípulos. É assim que se constrói e cresce a Vinha do Senhor, o Corpo de
Cristo, que é a Igreja.
Pe. Rosevaldo Bahls
Cascavel, 02 de 05
de 2012.
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