Primeira leitura: 1jo 2, 18-21
Sl: 96 (95)
Evangelho: Jo 1,1-18
A Sagrada Liturgia
da Palavra de hoje nos apresenta, por um lado, uma autêntica tragédia; por
outro, uma grande graça (cf. Mt 2,13-18). Talvez, ao fazermos o balanço do ano
que já está se despedindo, possamos perceber também estes dois momentos se
entrelaçando em nossas lembranças. Mas como será possível um mundo – e ano –
tão amado por Deus e, ao mesmo tempo, tão visitado pelos imprevistos causados
pelos pecados humanos? E por que não dizer, humildemente, “minha culpa, minha
tão grande culpa”!
Retornando ao texto
evangélico, deparamo-nos com a Boa Nova acontecendo por meio da docilidade de
fé do pai adotivo de Jesus: “O Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe
disse: ‘Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até
que eu te avise!’” (Mt 2,13). A Providência Santíssima pôde contar com o
glorioso São
José, não somente
para se levantar e ir a um lugar seguro com a Sagrada Família, mas para o
momento certo do retorno à pátria.
É sempre assim com
Deus, “há um tempo para cada coisa”, mas somente os homens de fé e coragem
poderão experimentar e constatar esta graça nos momentos tranquilos e
dificultosos da vida. Outros até recebem os gratuitos presentes do Senhor, mas
preferem, na ignorância e cegueira espiritual, atribuir os bens recebidos
à sorte ou às
criaturas que, na verdade, são meios da providência cientes ou não. E o que
Deus faz? Continua amando e investindo na conversão de Seus amados filhos e
filhas, até se descobrirem o quão amáveis são!
No caso da Virgem
Maria e São José, eles constataram a presença do Protetor e Rocha Eterna também
em meio às provações da vida! Repito: da vida. “Porque Herodes vai procurar o
menino para matá-lo” (v. 13). São José não pediu explicações a Deus nem foi
imprudentemente perguntar a Herodes, o porquê daquela atitude injusta e louca
perante o Rei dos Reis, da estirpe de Davi, Salvador e Cristo. São José
simplesmente colocou em prática a sua fé obediente e, assim, a Sagrada Família
foi salva! Mas, infelizmente, a desgraça não deixou de ferir o coração de Deus,
por causa do orgulho ferido de Herodes: “Quando Herodes percebeu que os magos o
haviam enganado, ficou muito furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e
de todo o território vizinho, de dois anos para baixo, exatamente conforme o
tempo indicado pelos magos” (v.16).
Um histórico
afresco (pintura), presente no lugar do encontro da Virgem Maria com Santa
Isabel, na Palestina, retrata a matança dos Santos Inocentes e faz questão de
recordar que, por traz de uma Rocha, o pequenino São João Batista foi escondido
e também se livrou deste
infanticídio. Esta
Rocha da Vida é a Providência Santíssima que, se possível fosse, evitaria a
morte de todos os inocentes do passado e do presente.
Sobre este mistério
da ação de Deus no mundo e a rebeldia ou docilidade humana, muito bem escreveu
o Papa Bento XVI em seu último livro da trilogia ‘Jesus de Nazaré’, ao tratar
da exemplar docilidade de fé da Virgem Maria, que possibilitou a encarnação do
Verbo: “Agora, Deus procura entrar de novo no mundo, por isso bate à porta de
Maria.
Tem necessidade do
concurso da liberdade humana; não pode redimir o homem, criado livre, sem um
‘sim’ livre à Sua vontade. Ao criar a liberdade, de certo modo, Deus se tornou
dependente do homem. O Seu poder está ligado ao ‘sim’ não forçado de uma pessoa
humana” (BENTO XVI, A infância de Jesus, 37).
Assim Deus, em Sua
infinita bondade, continua a bater na porta dos corações para que a vida possa
acontecer, desenvolver-se e manifestar-se ao mundo. Mas quantos permitem isso?
Terá Deus de fazer todas as coisas, tratando o ser humano como marionete e
contradizendo o dom irrevogável da liberdade? De fato, muitos não ouviram a
Palavra de Deus para poderem crer e mudar de vida, mas ninguém perante o
tribunal divino poderá alegar a falta de liberdade e a neutralidade de uma lei
interior que dita em cada ser humano uma Palavra de vida que em todos
está impressa: “vivei o bem e evitai o mal”. Por isso também a Palavra do
Senhor não deixa de exortar a cada ser humano: “Falai e procedei, pois, como
pessoas que vão ser julgadas pela Lei da liberdade” (Tg 2, 12). Neste ponto,
também a perícope que nos propomos meditar na proximidade de um próximo ano, do
calendário civil, acaba por nos apontar o Norte, pois “ali ficou até a morte de
Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: Do Egito
chamei o meu Filho” (Mt 2, 15).
Somente Deus pode
dar sentido às desgraças que acabam
por atingir a nós,
à Igreja e à humanidade em geral. Não como um Senhor controlador, mas como o
amoroso Deus, Todo-Poderoso que pode e sabe, a Seu tempo, tirar um bem de
qualquer realidade, principalmente daquela por Ele não desejada e tão pouco
participada. Portanto, nestes dias que ainda nos restam de ano e de vida,
recorramos à Palavra do Senhor e do Espírito Santo, o qual age principalmente
pelos sacramentos, para que o nosso falar e proceder possa corresponder aos
dons recebidos, sem
jamais condenar
aqueles que caminham conosco: “Pensai bem: o julgamento vai ser sem
misericórdia para quem não praticou misericórdia; a misericórdia, porém,
triunfa sobre o julgamento” (Tg 2,13).
Faço a você o
último pedido do ano: não digamos mais que é complicado (tudo o que toca a
nossa responsabilidade), embora seja complexo e até misterioso boa parte das
coisas nesta bela vida.
Feliz Ano Novo, com fé dócil à Palavra de Deus e ao
Espírito Santo, misericórdia Divina para conosco e de nós para todos os demais!
Pe. Rosevaldo Bahls
Cascavel 28 de 12 de 2012.
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